terça-feira, 5 de agosto de 2008

O meu Silêncio

sou matéria que pulsa sem razão
animado de uma energia de formas que imagino reconhecer
mas cuja origem não entendo

sendo matéria sem razão
sou também desejo...
do outro
num complemento da parte
que comigo sendo dois
aos dois nos cumpre como unidade

sendo matéria e desejo
sem razão
torno-me vontade
julgando cumprir-me no que imagino
na matéria que sendo
em mim procuro evitar ou me procuro tornar
no desejo que insisto em condicionar
substituindo o ser que não sei
pelo ter que penso que me fará

e por cada vontade a que em mim dou corpo
apesar da matéria e desejo sem razão que não deixei de ser
mais me diferencio do que me rodeia
encontrando no outro
não o outro
mas o que do outro em mim imagino razão
o que do outro imagino desejo
o que no outro imagino expressão da minha vontade

sendo matéria e desejo sem razão
pela afirmação da vontade que me diferencia
o sentir que me tornava espaço sem limites
ganhou contornos artificiais
estreitando as margens da existência que imagino perceber não percebendo

e porque a vontade é forte
condiciono a matéria
transformo o desejo em hábito
e do sentir faço uma realidade adiada

onde a minha transcendência se desenha
em nome de coisa nenhuma
crio o sonho e a fantasia
em que me julgo cumprir
pela diferença e afirmação da parte

pelos limites que me imponho no sentir
e que dele me afastam
deixo de aceder à realidade
de tão empenhado que estou em cumprir-me
na vontade que alimento

comprometo a verticalidade do meu ser
limito a expressão da minha relação com a existência
abdico do meu acontecer num tempo sem tempos
troco a sabedoria pela ignorância
a que ousadamente chamo conhecimento

e exactamente porque
animado de uma energia de formas que afinal não reconheço
de origem não entendida
paro
observo
e percebo
o disparate em que transformei a minha existência

oiço o que a existência me diz
aceito rever-me
volto ao ponto em que a minha vontade se formou
e deixo agora acontecer
o que em vez dela deve acontecer

à medida que aconteço na realidade
e disso ganho consciência
a existência assume em mim uma expressão
que para os demais será silêncio

do eu que era
fica o nada que sou
e o tudo em que aconteço

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