procuro olhar para o rosto dos fantasmas que transporto comigo...
mas não lhes vislumbro as feições
procuro chegar-me a eles
tocar-lhes para tentar perceber de que são feitos...
mas eles afastam-se sempre... cautelosos...
tento saber-lhes os nomes... mas não se denunciam
vão e voltam...
brincando com os hábitos do meu corpo e os desejos da minha razão...
vou-lhes trocando as voltas
retirando-lhes no meu corpo o eco pronto do desejo que em mim se forma à sombra dos seus caprichos
observo-os...
e percebo que não são os fantasmas dos meus desejos futuros...
esses já quase não aparecem
os fantasmas dos meus desejos passados
cumpridos ou por cumprir
já mal lhes guardo a memória das formas...
mas os meus fantasmas têm uma força equivalente à do desejo
que nem o meu mais profundo silêncio consegue fazer desaparecer...
o meu corpo já lhes ignora as ordens
deixando-se apenas conduzir aos locais que aprendeu...
sinto dor nestes fantasmas que me acompanham
a dor de desejos antigos que já esqueci
e ainda esperam a oportunidade de ser satisfeitos
sem se terem dado conta de que o tempo em que isso podia ter acontecido já passou há muito...
já morreram...
mas continuam agarrados à dor que ficou
e de que se fazem vida em mim
julgava que o melhor seria reencontrar esses desejos
e reconhecendo-lhes as formas
apagá-los um a um...
tarefa inglória e sem sucesso...
conhecê-los apenas lhes aviva as cores e os contornos...
terei mesmo que mergulhar nessa dor que carrego num qualquer lugar no fundo de mim
permanecer junto dela...
até que se esgote no meu silêncio