segunda-feira, 30 de junho de 2008

Desejo

para onde quer que olhe
seja qual for o tempo observado
encontro o desejo

quero, não quero, gosto, não gosto, amo, odeio, sofro, experimento o prazer, estou contente, estou triste, sou feliz, sou infeliz, bonito, feio, tenho direito, não tenho direito, posso, não posso, certo, errado, sonho, tenho pesadelos, medo...

o que sou, tenho ou imagino nos outros...

acções conjugadas em qualquer tempo
incidindo sobre o objecto que se quiser
conjugado em qualquer pessoa, eu ou o outro
na afirmativa ou na negativa
são sempre expressão do desejo

experimento a realidade por via dos sentidos
e descubro o bem-estar e o mal-estar

processo iniciado em tempos esquecidos
gera-se em mim um registo de memórias
que me irá acompanhar para o resto da vida

é nessas memórias que o meu desejo cria as suas raízes
pela afirmação ou negação da experiência da realidade
numa tentativa de antecipação do que se imagina sempre no momento seguinte
acontecendo
umas vezes num tempo próximo
muitas vezes num tempo cada vez mais distantes
de acordo com a distância ao tempo e ao contexto em que se gerou a primeira memória de bem-estar
de acordo com a intensidade da sensação registada
de acordo com o tempo de permanência
de acordo com o número de vezes em que se imagina ter conseguido replicar o quadro sensitivo

e o desejo sendo sempre para agora
acaba por ser sempre para um tempo que nunca é

quando por instantes me sinto na satisfação do desejo
outro desejo se forma...
não sair da sensação experimentada

porque a realidade é dinâmica, os quadros da existência alteram-se segundo a segundo
e o medo de sair da sensação de satisfação do desejo desenha-se
antecipando uma sensação de perda a evitar

da permanência e constância que se procura
associada à ideia do desejo satisfeito
só consigo reconhecer o seu carácter efémero

maior o desejo
maior a especificidade do desejo
mais breve o tempo de permanência nele
menor a probabilidade de o ver satisfeito

efémero demais para o tempo e esforço dispendido para o tornar possível...

e o bem-estar que se procura constante torna-se episódico e sem expressão
ficando o mal-estar durante o resto do tempo que é muito
imenso...

não sei como nem porquê
mas dei comigo a observar esta dinâmica em mim
e a perceber, a ganhar consciência
do absurdo em que a minha vida se transformava

de observação em observação
fui-me dando conta de que o desejo tomou conta de mim
estava presente em tudo o que fazia

o que foi e não é mas que gostaria que voltasse a ser...

é isto o desejo

fácil de reconhecer como ideia
fácil de compreender como absurdo...

difícil de nos reconhecermos na dinâmica
muito difícil de compreender o processo em nós
extraordinariamente difícil de equacionar a nossa existência noutros moldes...

mas não é impossível

é possível existir fora do desejo

difícil num primeiro momento
pela percepção do desejo que no outro parece viabilizar o desejo em nós
fácil pela persistência e observação não condicionada da nossa acção

num mar de desejos
da ansiedade passo à tranquilidade
e vislumbro uma realidade desconhecida
de que nem a ideia da sensação de satisfação constante
de mil dos meus mais ambicionados desejos
parece aproximar-se

as palavras tornam-se vazias e inúteis
restando-me apenas...
a experiência do mais reverente dos silêncios
pelo deslumbramento
perante o que se alguma vez experimentado
foi seguramente esquecido

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