segunda-feira, 23 de junho de 2008

O meu olhar

o meu e o teu olhar cruzam-se e um qualquer destino parece cumprir-se

sei que a fantasia poderá falar mais alto na minha leitura do que aconteceu
e para evitar resvalar para o campo da vulgaridade
fazendo algum comentário desajustado sobre o ser lindo que és
falarei do meu olhar que dizes intenso e doce

reconheço em mim a intensidade e a doçura

poderia tentar falar da tua beleza
poderia pensar na minha experiência de proximidade de ti
(pouca, eu sei)
poderia rever as minhas conversas contigo e que me deixaram entusiasmado
poderia observar o meu desejo de ti na tua distância e ausência
poderia tentar relembrar sonhos e fantasias esboçados em torno de ti
poderia experimentar construir sonhos e fantasias
(e não o consigo fazer)
mas não conseguiria explicar o meu olhar

que te posso então dizer do meu olhar...

que ele acontece quando eu aconteço
e como eu
ele resulta da minha presença no lugar em que aconteço
sendo expressão desse meu acontecer

falar do meu olhar antes ou depois de ele acontecer
não o explica
porque ele só pode ser experimentado e percebido no momento em que acontece
porque ele está para lá do entendimento que dele se pode procurar depois de acontecer
porque fora do tempo em que acontece não faz sentido
tal como eu

sobre o olhar doce e intenso que dizes ter experimentado e que dizes ter-te cativado...

não é um olhar sequer...
é antes a minha forma de acontecer
intensa e doce...
que só por ser também a tua
nos momentos em que o teu e o meu olhar se cruzaram
permitiram a experiência que referiste

e isso é o que dele há a reter

falar sobre a forma intensa e doce como aconteço (acontecemos?) na tua proximidade (na proximidade um do outro?)
poderia ser uma tentação
pela ideia de que essa seria a melhor forma de preservar a memória da sensação tida
ou ainda de que essa poderia ser a melhor forma de tentar aceder a experiências
que facilmente associamos às sensações que julgamos em causa

mas prefiro não o fazer

prefiro apenas referir a consciência em mim
de uma sensação doce e intensa
decorrente do meu acontecer
decorrente do meu acontecer na tua proximidade
e que tu no teu acontecer reconheceste e me devolveste
pedindo-me que falasse dela

a fantasia é fácil e tentadora pela ilusão de cenários de felicidade e beleza
mas eu não vou por aí
serão apenas fantasias...

mas não posso deixar de reconhecer em mim a sensação
de que...
o meu e o teu olhar se cruzaram e um destino qualquer se pareceu cumprir

quando e enquanto esse olhar acontece tudo é possível
porque estarei a acontecer fora do que penso e para além daquilo em que acredito
porque deixo (deixamos?) de acontecer como parte...

aconteço (acontecemos?) apenas

doce e intensamente

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