terça-feira, 24 de junho de 2008

Tentação

identificamos uma sensação tida por extraordinária
e lá vamos nós no turbilhão das ilusões
criando histórias e mundos que não existem
só porque queremos ver num fugaz episódio
o que podendo ter sido
não é para além dele

antes
viabilizava-me na ilusão para lá da sensação tida por extraordinária
e fazia dela âncora e referência para a vida a que me obrigava voluntariamente
tentando fazer da realidade expressão da minha vontade

procurava no que não acontecia e julgava acontecer
a prova que imaginava precisar
para legitimar a justeza das opções e veracidade das sensações vividas

pacientemente
aceitava a distância cada vez maior
entre a sensação tida por extraordinária e a experiência da fantasia
sempre na esperança de que ela se repetisse

porque a experiência foi
porque a fantasia nunca é
porque a realidade acontece apesar da minha vontade
no fim e no desencanto
só me restava constatar a decepção
teorizar sobre os resultados
construir uma lição e uma aprendizagem
advogar o que não tem nem precisa de defesa
e...
repetir tudo outra vez

gradualmente fui percebendo
pela observação sistemática de mim mesmo
que as sensações tidas por extraordinárias são uma constante

com diferentes valências e sentidos possíveis
as sensações tidas por extraordinárias só acontecem
porque nós acontecemos com elas
durando enquanto permanecemos
sendo o seu tempo de duração um factor irrelevante para o seu carácter extraordinário

mas porque há um momento em que o que acontece para além de nós muda
porque nós mudamos
o que sentimos muda
dando lugar a outras sensações igualmente extraordinárias
levando-nos para lugares e contextos em que o que registámos não se repete

porque temos por hábito valorizar as sensações
de acordo com as nossas convicções
fixamos e fixamo-nos à sensação tida por extraordinária que quisermos
deixando de ver as que se seguem
desvirtuando a natureza da experiência da própria sensação

porque não nos apercebemos
que deixámos de estar presentes nos momentos em que acontecemos
a seguir à experiência tida por extraordinária
também não nos apercebemos das fantasias que criamos
nem das razões porque ficamos com a sensação de chegar a lado nenhum
quando insistimos em tentar alterar o que não é passível de alteração...
o curso da existência
seja ele qual for

sempre que tentamos alterar ou forçar o curso da nossa existência
as roturas desenham-se e acontecem para lá do que seríamos capazes de antever
numa cadeia de eventos com os quais nem sempre conseguimos lidar
tornando-se difíceis os equilíbrios
porque a existência
a nossa
foi voluntariamente alterada

agora
não aprendi nada
mas percebi...
mais do que tentar alterar a minha vida ou o que me rodeia
deixo-me acontecer e estar presente em cada momento
desfrutando de cada uma das sensações extraordinárias
que nesse momento e acontecer experimento
seja por um segundo, um minuto, uma hora...
seja uma ou muitas vezes em diferentes momentos e contextos
seja qual for a forma em causa

aceito o que a existência me oferecer

mas reconheço...
é difícil resistir à tentação de não me entregar à fantasia

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