sábado, 14 de junho de 2008

O prazer do silêncio

sempre vivi um sentimento de não pertença
um sentimento de não identificação

não pertença a um lugar
não identificação com um dos muitos papéis que a vida me oferecia

durante muito tempo pensei que vivia na periferia da existência
sem que nunca dela tivesse feito parte

conheci todos os papéis
conheci todos os modelos
conheci todos os tiques
conheci todos os certos e errados das diferentes visões da existência

mas nunca me identifiquei por inteiro com coisa nenhuma
apesar de os ter observado e experimentado

julguei-me um falhado que o meu sentir não validava
tentei dar-me como um caso perdido e exemplo de fracasso da existência
mas nem essa roupagem me parecia servir

com o passar do tempo fui vendo os que comigo se cruzaram
vestir entusiasticamente os mais diferentes papéis
irradiando uma energia e uma alegria aparentemente invejável
parecendo votados ao sucesso

mas nem com a inveja me identificava

com o passar do tempo fui vendo essas mesmas pessoas esgotarem-se nos caminhos escolhidos
substituindo a energia que irradiavam no início
pelo que consideravam como testemunhos do sucesso e justeza dos caminhos seguidos
pela posse e exibição do que de melhor esses percursos permitiam
confundindo-se com os objectos possuídos

poucos se apercebiam da imobilidade a que se pareciam votar
pelo que deles sendo posse os parecia agora possuir

o sorriso e o riso apareciam agora como encenações de gosto duvidoso

a vida parecia ser sentida como cada vez mais breve, efémera e fugaz
e agora sem sentido

e no meio da minha pequenez fui percebendo
que não estava na periferia da existência
mas que tudo o que me era estranho e com o qual não me identificara
estava antes na periferia da minha existência

era eu o centro

por sorte ou acaso percebi
que o silêncio que me fazia notado como estranho num mundo de compromissos e vínculos
me permitira, quando os demais chegavam a lado nenhum
estar lá à espera deles

a diferença não estava no ponto a que se chegara

a diferença é que eu me sentia livre
disponível para fazer da minha existência o que quisesse
sem dor ou sofrimento
pronto para o próximo desafio
de sorriso fácil e gargalhada espontânea
longe de qualquer ensaio
longe de qualquer condição ou pré-existência

não sinto glória
nem sentimento de vitória
porque nunca estive em competição ou disputa
mas faço, agora, questão de oferecer aos que comigo vão partilhando espaço, tempo e proximidade
nada que eles não tenham
mas que já esqueceram...

o prazer do silêncio num mundo de ruídos...

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