domingo, 15 de junho de 2008

Viagem

viajo todos os dias
viajo em cada momento
sentado no interior de mim mesmo

observo na periferia de mim a existência
que me chega em formas e cores, sons, paladares e odores
que me tocam a superfície
fazendo a delícia dos meus sentidos
umas vezes prazer
outras dor

corro atrás dessas sensações inebriantes que me chegam com a vida
misturo-me e confundo-me com esses sentires
que como vieram
partem
sem deixar rasto

as sensações continuam
efémeras agora como antes
tal como os pensamentos de que se fazem acompanhar
tão verdadeiras no seu acontecer quanto ilusórias no seu existir pensado

de tão intensas que são
ganham uma consistência que não têm
e curioso
aproximo-me da superfície que não sou
mas em que julgo tornar-me
pela distância que dela deixo de ter
pelo pensar que nela tomo como meu

mas vá-se lá saber porquê
por via do acaso, destino ou ausência de natureza intrínseca do que não existe
acabo por dar comigo onde sempre estive
sentado no interior de mim mesmo
em silêncio
desfrutando da existência
sorrindo e dando sonoras gargalhadas
a cada peripécia por mim vivida
numa fantasia partilhada com outros
quando de uma comédia fazemos um drama
porque nos esquecemos do que somos
entretidos com o que não sendo julgamos ser

viajo todos os dias
sentado no interior de mim mesmo
em silêncio
sorrindo e soltando sonoras gargalhadas
livre para partir
quando o meu papel nesta representação tiver tido a sua última deixa

enquanto não parto
tento
pelo olhar, pelos gestos e pelo dizer
que me tornam o ser que em mim se entende humano
mostrar
que vai sendo tempo...
de acordar
que a vida é mais do que dela entendemos
que a vida é mais do que o que dela queremos fazer
e não tarda será tempo de partir, de seguir viagem

em silêncio...

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