domingo, 6 de julho de 2008

Alguma coisa vai mal

aprendemos a vida em função do género
e descobrimos o masculino e o feminino

porque se quer a diferença clara
descobre-se a sexualidade
e com ela o certo e o errado do agir
segundo o entendimento de muitos e de ninguém

porque nos queremos certos e não errados
aprendemos a vergonha
do que em nós não escolhemos nem percebemos
e que alguém nos ensina
dever dos outros ser escondido ou em nós evitado

e o prazer dos sentidos leva-nos a experimentar a vida
em domínios cada vez mais complexos

e se...
no que é legítimo ao nível do contacto da pele
no que faz sentido ser visto ou ser objecto de curiosidade
no que se pode ou não ouvir
no que se deve ou não comer
no que se pode ou não cheirar
podemos decidir o que fazer
aprendemos que ao sair da esfera do privado
devemos treinar a arte da dissimulação
mostrando de nós formas e um agir de acordo com um qualquer imaginário expectável
que julgamos ter que respeitar e cumprir
em nome de um colectivo sem rosto, propósito ou consistência

aprendemos duas realidades

a do que imaginamos que esperam de nós
que nos leva a apresentar aos outros de uma forma que julgamos certa
e a que nos obrigamos sem ninguém nos obrigar

e a que corresponde ao que julgamos não poder mostrar
só possível no agir desde que longe do entendimento dos outros
cada vez mais ao nível do que se pensa e se sente

e assim acontecemos todos os dias
entre o que queremos que de nós os outros vejam
e o que em nós sabemos e dos outros protegemos

porque a interacção com o exterior é constante
esta dinâmica nunca tem pausas
nem quando a coberto da noite nos imaginamos protegidos no anonimato das sombras
agindo de acordo com uma vontade
formada e alimentada pelo que reprimido nunca desaparece

sem nos darmos conta
perpetuamos em nós e nos outros uma dualidade artificial
tornando-nos mestres da ilusão e da fantasia
distraídos com uma representação
que nem quando sentida como real é real

e nem mesmo quando nos julgamos em paz e tranquilos com o que vivemos
nos conseguimos evitar um pensar ou sentir que não damos a conhecer
por o considerarmos... não partilhável

começa a ser tempo de rever a existência fora do que aprendemos

se somos seres feitos à imagem do divino
dignos de distinção
e deste absurdo temos consciência
alguma coisa deve estar mal no reino de sua majestade
se não tentarmos sair desse absurdo
se nem sequer nos questionamos

alguma coisa deve ir muito mal...


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