todos os dias há um novo começo
todos os dias fazemos enterros
todos os dias vamos buscar os mortos que acabámos de enterrar
todos os dias insistimos em viver com os mortos o que não vivemos com eles em vida
todos os dias escondemos os mortos e a vida que com eles temos
todos os dias esgrimimos com os vivos utilizando os mortos que escondemos
todos os dias entre a vida e os mortos escolhemos os mortos
todos os dias de tantos mortos guardarmos já não nos lembramos dos mortos que temos
todos os dias perdemos a noção do que é a vida de tanto convivermos com os mortos que insistimos em guardar e em ter perto
todos os dias damos um pontapé na vida, virando-lhe as costas, tão ciosos que estamos da preservação dos mortos que são só nossos
todos os dias...
o tempo de convívio com os vivos torna-se mínimo
face ao tempo que com eles convivemos depois de mortos
se em vez de mortos falarmos do que foi e já não é para além da nossa memória
talvez se compreenda o disparate do que fazemos de cada um dos nossos dias
de tanto convivermos com os nossos mortos esquecemo-nos do vivo que estamos
eu já comecei a sacudir a morte da minha vida
e dos mortos dos outros aprendi a desviar-me
às vezes não me dou conta e retomo o hábito da esgrima dos mortos
quando com um morto sou agredido
mas vou aprendendo a diferenciar a vida da morte...
nessa altura paro
e deixo o morto-vivo ou vivo-morto que tenho à frente seguir...
se ao vivo não conseguir retirar o morto ou ao morto tirar o vivo
tento não lhe produzir dano
todos os dia há um novo começo
todos os dias fazemos enterros
e eu aprendo a deixar ficar os mortos onde estão...
enterrados
todos os dias...
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