terça-feira, 1 de julho de 2008

Transformação

cresci aprendiz
e do que aprendi me tornei depositário
fazendo do aprendido modelo condicionador de uma acção
que mais não é que reacção
por acontecer no que julgo a observação de um quadro prévio
e que não é segura e necessariamente o que se observa

quando centro a minha existência e atenção no que considero ser o que me rodeia
colocando-me de fora
o que resulta só poderá ser uma aprendizagem

aprendo o amor e a amizade
aprendo o ódio e a raiva
aprendo o bom e o mau
aprendo um mundo sem nunca fazer parte dele
vestindo dele apenas o que aprendo e me parece bem
confundindo-me com o que visto

mas a dor e o prazer do meu acontecer
nem sempre seguem e explicam o que julgava ter aprendido
e quanto mais olho para o exterior
mais entendo para aprender na relação com ele
e menos explico o sentir que me acompanha para além dele

a revisão das aprendizagens também não me tira do ciclo vicioso...

face a um qualquer agir exterior
entendido de forma parcial e enviesada
segue-se a dor ou o prazer do que se julga em causa
por via de um aprendizado prévio não questionado

e da dor surge uma reacção
e do prazer surge outra
mas não saio do mesmo lugar
não chego a lugar nenhum

se a minha dor é a base
a minha reacção irá gerar mais dor ou mal-estar
se o meu prazer for a origem
é possível que a minha reacção possa gerar prazer ou bem-estar
pelos entendimentos que irá gerar

para chegar a esta observação
teve que acontecer em mim uma transformação
e não uma aprendizagem

se me preocupar com o aprender seja do que for
continuarei na mesma
apenas mais “gordo”
não se alterando nada em mim

se me transformar
poderei perceber o que acontece e alterar o meu comportamento
agindo em vez de reagir
mudando o curso da minha existência
ajustando o meu agir ao que se desenha em cada momento
deixando de ser uma marioneta nas mãos de outra marioneta que disso não se deu conta

e se a dor e a zanga são a melhor fonte de aprendizagens
são também a melhor oportunidade de nos transformarmos

e falo da dor e não do prazer
porque no prazer não existe desafio
apenas acomodação e complacência
vendo-se nele o prémio tido por justo
pelo óptimo desempenho conseguido

e que transformação se desenha então...

diria que será o aceder a uma relação diferente comigo e com o que me rodeia

não posso furtar-me ao processo de aprendizagem
por dele não ser a origem
não posso furtar-me ao entendimento da dor e do prazer
por via do que aprendi e por deles me ter tornado testemunha abonatória
não consigo agir
porque pelo que aprendi e com a identificação feita só posso reagir
e quando reajo...
escapo-me e escapa-me o entendimento da realidade
de tão seguro que me sinto na dor ou no prazer que julgo sentir

mas posso observar em mim esta cegueira

vou compreendendo o absurdo desta forma de existir
e distancio-me do que julgava existir para aprender
deixo de me confundir com o que julgo conhecer
deixo de dar corpo em mim ao que entendo por dor ou prazer
e a minha relação com o mundo altera-se

olhando para o meu percurso próximo e longínquo
reconheço a minha incapacidade para me esquivar da dor e do prazer que julgava em causa em diferentes momentos
e reagi muitas vezes na dor provocando mais dor
mas porque a transformação em mim vai acontecendo
sinto agora o disparate e a violência de um processo de que urge sair

não posso evitar o curso da existência
nem a minha nem a dos outros
nem o seu entendimento da dor e do prazer
mas porque quero permanecer nesta transformação
sinto-me compelido a sair do meu entendimento aprendido
e a pedir-te a ti que me lês, entendes e a quem poderei ter gerado dor
o meu mais sentido perdão

cada entendimento da dor ou do prazer que deixa de acontecer em mim
é menos uma barreira que me afasta da realidade
e mais uma ponte que me aproxima... da vida

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