domingo, 9 de novembro de 2008

Companheiros de viajem

a vida é-me oferecida
e porque o aprendo como condição sem saber o porquê
procuro quem me acompanhe
na viagem de que não posso fugir e não posso evitar

idealizo essa busca assente numa coisa a que chamo amor
que aceito sem lhe compreender o sentido para lá dos sentidos que todos dizem ter
procuro-lhe os sinais nos sinais que todos me dizem serem dele indicador
e começo a aventura da descoberta de quem me irá acompanhar vida fora

partindo do sonho que aprendi
experimento a realidade em cada aproximação que faço a quem me rodeia
e torno cada vez mais complexo o sonho
pelos sinais que entendo ter que encontrar para encontrar o amor
que me darão a certeza de encontrar a pessoa certa

e encontro a pessoa certa...
até que ela deixa de cumprir uma ou mais das condições que tenho como garante do amor
e certeza da justeza da escolha
seja porque lhe acrescentei mais condições sem disso me dar conta
seja porque me esqueci de aferir a minha lista de condições com a de quem tomei por certa

brigo pela afirmação de direitos e deveres
que entendo de mim e do outro dever exigir e fazer cumprir
em nome do amor que aprendi ser a base desse companheirismo
de presença na proximidade obrigatória
por via da vontade mais do que pelo sentir
durante uma viagem que nem sequer percebi estar a fazer

em nome de um senso dito bom e de razões cheio
que me faz culpado e prisioneiro
ou que entendo dar-me o direito de vida ou de morte sobre o outro
transformo a aventura excitante do início num pesadelo vivido a dois
em que o prazer de viver se torna efémero
nem sempre coincidente no tempo e na forma com os do outro
de que tinha a certeza de ser o companheiro prometido

deixo de viver e passo a sobreviver
continuo sozinho como no início
mas agora... acompanhado

quando num acto de coragem sacudo a vida em que a minha vida se tornou
libertando-me
deparo-me com o sonho inicial
agora mais elaborado ao nível dos sinais que procuro ver cumpridos
e acabo por retomar a busca da companhia
que afinal não era aquela que julgava ter encontrado

porque não percebi nada do que aconteceu da primeira vez...
repito tudo...
até que volto a dar outro pontapé na vida

e este ciclo repete-se interminavelmente

dou-me conta de que afinal...
na minha vida não houve um mas muitos companheiros de viagem
todos eles bons e todos eles maus
por limitações nunca deles mas seguramente minhas
porque da malfadada lista não abdico

posso continuar neste exercício absurdo
em que faço da minha vida um reflexo daquilo em que acredito e procuro
apesar da falência constante dessas convicções
ou posso questionar a validade das mesmas
e permitir-me um percurso marcado pela ausência de certos ou errados

sinto o medo da opção pela diferença
por sentir que a alternativa será o acesso ao desconhecido
onde receio não sobreviver ao ficar sozinho na adversidade...
até que percebo que já estou sozinho e vivo na adversidade

agora que nesse estado me reconheço
onde julgava encontrar o medo que alimentara a vida toda
descubro uma paz e uma serenidade desconhecidas
descubro uma força e uma vitalidade inegualáveis

o medo desapareceu

ficou apenas a vida

não há companhia a procurar numa viagem que afinal não existe
porque não há ponto de partida
nem há lugar nenhum para onde ir

agora que deixei de procurar seja o que for
apenas me cabe ser companheiro de viagem da vida
disponível...
sempre...
livre

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