As palavras rotinas

construo os meus dias em cima de rotinas que fui aprendendo ao longo dos anos
transformo as rotinas em palavras
e tão presentes estão na minha vida que nem me dou conta
que apenas consigo ver da vida o que digo
que não consigo imaginar
que a vida para além dos hábitos em que me deixo acontecer
possa ser sequer vida

percebo que as palavras não valem o que dizem
nem as ditas nem as escritas
mas aquilo que lhes dá forma e cor
diz mais do que anima quem as diz e de quem as regista pelo eco que nele se observa
do que o significado que a razão nelas consegue alcançar

percebo que o que faço não vale pelo que faço
nem quando somos muitos a fazer o quer que façamos
nem pelo que supostamente cumpro e reconheço em mim como ganho
quando procuro repetir-me num qualquer quadro do meu dia-a-dia

a consciência do vazio das palavras
os hábitos em que acabo ausente
a sensação de dormência que pede para ser alimentada
reconhecida em mim e nos que me rodeiam
deixam-me inquieto

há toda uma existência que me chama a viver o que não sei dizer
nem parece ser possível dizer...
sinto apenas que tenho que deixar a vida acontecer fora dos trilhos ditos seguros
permitindo que no tempo em que sou vida
seja eternidade
cumprindo-me liberdade...

há quem diga que a vida é uma passagem...
eu sinto-me cada vez mais de passagem

já não encontro palavras que me prendam
e os hábitos a que me prendia...
já quase nem o meu corpo seguram