O que sinto não me pertence

...
confesso que por vezes hesito...

sinto a solidão
mas não me sinto sozinho

sinto a angústia
mas não me sinto angustiado

sinto que tenho que olhar e ver
mas não encontro em mim essa vontade

sinto que devia dizer alguma coisa
mas não tenho nada para dizer

sinto a tristeza
mas não estou triste

sinto o que me rodeia
mas não sinto como meu o que sinto no que me rodeia

percebo as pessoas perdidas no perdido que por vezes me sinto

percebo que esperam de mim qualquer coisa...
mas nada em mim pode resolver o que na vida dos outros
os outros imaginam passar por mim

não luto contra todo este sentir que em mim ganha corpo
aceito-o sem questionar os propósitos ou razões
e tento estar atento
mas não tomo nada por meu

confesso que por vezes hesito...
devo estar enganado...
por vezes parece há quem procure construir pontes para o mundo
e não consiga passar da ideia de as construir...

por vezes penso se não serão apenas pontes para mim
vá-se lá perceber o porquê
uma vez que não sou ponto de chegada para nada

não sinto necessidade de construir ponte nenhuma para o lugar em que estou
ou para qualquer outro lugar
não procuro sair de onde estou
não há lugar nenhum para onde ir

mas continuo a sentir
que o que sinto não me pertence