terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Mais palavras...

obrigo-me ao maior cuidado na escolha das palavras que uso...
o poder mágico que encerram abre as mais bem fechadas portas dos lugares mais recolhidos e recatados que o ser humano encerra em si

é difícil esse exercício de contenção...
terei que correr sempre o risco de as ver prisioneiras dos lugares que irão percorrer para além de mim

estou no lugar das minhas palavras no momento em que elas em mim se formam e lhes dou corpo...
o lugar que quem as colhe lhes reserva em si no momento seguinte
já não me pertence...

umas vezes poderei lá estar ou até estar na proximidade...
outras tantas estarei noutro lugar qualquer

os que delas fazem matéria de construção dos frágeis e abstractos edifícios do seu entendimento
dos seus equilíbrios...
das suas sensações de prazer e bem-estar...
dos seus sonhos e fantasias...
fazem-no por sua conta e risco
fazem-no por iniciativa própria

as palavras são como as sensações de frio e de calor que sinto na pele...
duram valem e são verdadeiras enquanto acontecem...
depois... são só o registo silencioso da sua passagem pela vida
na forma de uma memória que cada um projecta nos tempos da sua conveniência
com os sentidos do seu entendimento

como pai responsável que se quer
fui treinado no exercício da responsabilidade póstuma
obrigando-me a responder pelos estragos que cada um produz nas suas vidas
pelo uso que cada um a seu belo prazer fez das minhas palavras
para além do tempo em que o foram de facto...

amadurecido pela passagem atenta da vida
percebo que não tenho como permanecer amarrado aos lugares que cada um resolveu reservar para as minhas palavras...

não tento fazer isso a ninguém...
há muito que não deixo que o façam comigo

ninguém é as palavras que usa...
ninguém é os gestos que faz...
ninguém é as palavras e os gestos que alguém retém do outro...
e eu também não

as minhas palavras e os meus gestos de cada momento
mudam de acordo com os limites que cada um define com as palavras e gestos que retiveram de mim ou de alguém noutro tempo qualquer

as minhas palavras e os meus gestos mudam de acordo com o desenho arbitrário e caprichoso da vida...

a dor que a consciência da minha ausência das palavras que um dia foram minhas provoca a quem as decidiu reter
está longe de ser um propósito meu...

as palavras e gestos da humanidade são só palavras e gestos que começam e acabam no momento em que acontecem
nenhum registo lhes dá a vida que elas perdem no momento a seguir
não há memória passada nem futuro desejado que as faça a vida que cada um insiste em fazer

é nesta consciência que reside a essência da minha experiência da liberdade
é nesta consciência que a felicidade e a alegria encontram caminho de volta a casa em mim
é nesta consciência que o amor que nunca é desejo se confunde com os limites que deixaram de existir em mim