sábado, 2 de janeiro de 2010

Lugar de passagem

observo a minha passagem pela vida
verifico que depois do fim dos momentos de que me dou conta
outros momentos se seguem
com outros cenários
outros desafios
outras presenças... sempre

ficar agarrado ao que acabou de passar
não me garante a repetição dos quadros de vida da minha eleição...
posso ficar agarrado a todos esses quadros fascinantes por iniciativa própria
ou porque aceito tentar cumprir a vontade de quem me rodeia...
que o resultado é o mesmo

sei agora que nunca se repetem...
podem até surgir outros idênticos
mas serão sempre outros... sempre outros

os momentos que a todos os momentos se seguem
não deixam nunca de acontecer seja qual for a minha vontade ou desejo...
eu é que posso dar-me ou não conta deles
vivê-los ou não... vibrar com o que neles acontece...

a vida tem uma dinâmica que faz com que nada permaneça no lugar
com que tudo mude a cada segundo alterando todos os quadros da vida...

não seguir nesta viagem alucinante equivale a sair dela
ficar do lado de fora da vida... adormecer... morrer de alguma forma

é o que a generalidade da humanidade faz...
ficam fora da vida... adormecem... morrem... voluntariamente
por medo ou por outra razão da sua simpatia
nos quadros das suas memórias
em que se refugiam ou dos quais fogem...

quando a consciência desta dinâmica começou a ter lugar na minha vida
decidi que era tempo de deixar de estar de fora
de acordar... de começar a viver...
caiu o medo e surgiu a liberdade
instalou-se a felicidade e descobri o amor...
tudo com formas até então desconhecidas

o tempo desapareceu e perdeu a forma que lhe aprendi... acedi à eternidade

tornei-me imoral... pouco coerente... louco... imprevisível...
fiz da minha intimidade a assustadora concretização de todas experiências proibidas
vesti todas as falhas da vida que me faziam sempre errado...
assumi todos os riscos da proscrição aos olhos dos homens e mulheres deste tempo

tornei-me um homem livre que deixou de se esconder atrás de uma qualquer moralidade conveniente
(a verdade é que nunca o fiz por princípio)
de cabeça levantada
olho sempre em frente... fixo... sem sombras nem medo

a vida tornou-se na mais extraordinária das aventuras...
mas fez-me ganhar consciência do ser solitário que sou

a perspectiva não me incomoda...
fez-me apenas perceber que a presença de alguém na minha vida não vale nem pelo que foi nem pelo que vai ser... mas pelo que é
seja qual for a sua forma de presença e de expressão
seja quem for ou qual for o número de pessoas...

deixei de trilhar um caminho...
passei a ser o espaço por onde todos os caminhos seguem sem se deter...
pelo menos aqueles que a existência por mim entende fazer passar

e eu estou nesses cruzamentos da vida que acontecem momento após momento
sem seguir nenhum dos caminhos que por mim passam
mas sempre receptivo a todos
aceitando ser em todos eles o que neles faz sentido que seja...

algumas das vidas que por mim passam
passam a uma velocidade que lhes permite uma permanência na proximidade por um período de tempo mais alargado... outras nem tanto

o que ganhei com tudo isto...
o tudo e o nada que vai para além do entendimento pequeno
sempre pequeno...
dos homens e mulheres que são vida comigo

o teu caminho atravessa o lugar que sou...
e sinto-me encantado pelo sabor da tua inteligência
pelo aroma e pela beleza do ser que és

não serei a concretização dos teus sonhos...
não vestirei a pele dos teus certos e errados...
sou apenas o lugar tranquilo por onde passas a caminho do teu encontro contigo
com a vida e com a existência...