terça-feira, 22 de julho de 2008

Caminhando

(Caminhando para lado nenhum nos Silêncios Meus)

vamos caminhando para lado nenhum
e a cada passo a existência chega-nos sob as mais diversas formas
uma imagem, um afago
um som, um paladar, um aroma
um olhar, um sorriso, um abraço, uma presença

como gotas de chuva que caiem sobre a superfície de um lago calmo
produzem ondas concêntricas que se entrecruzam com outras ondas
numa precursão contínua
provocando um agitar constante da superfície que também somos

curiosos
olhamos para cada gota que toca a superfície
olhamos para as ondas geradas
admirando-as, descobrindo-lhes o encanto

porque as gotas caiem continuamente
ficamos hipnotizados pelo movimento
ficamos presos do agitar da superfície
aguardando o impacto seguinte

encantados com o que resulta deste contacto
descobrimos-lhe variantes
atribuímos-lhe significados
associamos-lhe valências
identificamos estruturas, módulos e padrões
pela cadência antecipamos-lhe a ocorrência

pelo prazer descoberto
imaginamo-nos superfície de água agitada
julgamo-nos resultado do contacto desta com as gotas de chuva

esquecemo-nos da nossa natureza de lago tranquilo
não nos apercebemos que toda a onda criada se esgota
e o que julgamos contínuo e permanente
mais não é do que o resultado do impacto da gota seguinte
numa dinâmica interminável

esquecidos da nossa natureza de lago tranquilo
acabamos cansados de tanta dispersão
procuramos repousar numa onda que nos surge simpática
tentamos deixar-nos embalar pela suave ondulação que aprendemos
mas a onda esmorece
desaparece à medida que se afasta da origem
quebrada por um e outro impacto

tentamos recriar as ondas que lembramos como simpáticas
mas a superfície da água não nos obedece
continua agitada pelos impactos sucessivos de uma
e outra, e outra, e outras muitas gotas de chuva
alheia à nossa vontade
porque a existência não faz pausas
é contínua, constante

quanto mais lutamos pela permanência na onda perfeita
mais longe e inconstante ela parece
cansados
por vezes abandonamo-nos
quase que nos rendemos
e pensamos em deixar-nos afundar

mas se sou lago tranquilo
de superfície agitada pelas gotas de chuva que nele caiem
se sou água
como me posso afundar na minha própria natureza?

não posso
só me resta olhar para o resultado deste contacto
e não me confundir com ele
apreciá-lo
mas não me confundir com ele
porque...
sou lago de águas profundas e superfície tranquila
a que a existência vem fazer uma visita
misturando-se comigo em cada gota que em mim cai

porque...
sou lago de águas profundas e superfície tranquila

Sem comentários: