segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Vou contar-te um segredo...

as palavras são só palavras
mas têm na minha vida um peso muito grande
escolhê-las e usá-las é um desafio a que me habituei a vincular a minha existência
porque as tomo por centro dela mesmo não o sendo...

pelas palavras encanto e seduzo
pelas palavras prendo e condiciono
pelas palavras me aprisiono e escravizo
pelas palavras invento o mundo e construo fantasias
pelas palavras alimento sonhos
pelas palavras destruo o que pelas palavras criei
pelas palavras que confundo com a existência esqueço-me da realidade

das palavras faço vida e da vida me afasto

mas as palavras são só palavras
as palavras não são a existência...
apesar de falarem dela

descubro tudo isto quando percebo que o que teimo em sentir
não reconhece no sentido das palavras a realidade
que a razão que delas é feita insiste em afirmar

fico dividido e perdido entre o que sinto e o emaranhado de palavras e sentidos
que a razão me oferece como convicção do certo e do errado
que julgo defender-me e proteger-me
no caminho que percorro
num mundo em que todos se parecem mover dentro de uma qualquer razão

quanto mais aceito a vida de acordo com o nada que são as palavras
mais fortes se tornam as razões que eu e cada um entende como absolutas
apenas porque as afirma como suas

com tantas razões e tantos nadas a comandar a minha vida
acabo por aceitar as únicas coisas que a razão tem para me oferecer...
a satisfação do meu desejo...
a afirmação da minha vontade...
o cumprir das minhas expectativas...
a criação de hábitos e rotinas de prazer e de dor...

uma mão cheia de nadas que me levam a lugar nenhum

transformo o sentir que um dia em mim soube
num sonho distante e inalcansável
e aceito o efémero das sensações e a satisfação dos sentidos
como manifestações seguras do sentir que imagino
que as palavras descrevem e a razão garante como certas e único caminho a seguir

descubro o medo na distância entre o que sinto e aquilo em que acredito
que ao levar-me a um agir de acordo com o que sinto
me põe fora da razão em que me aprendi a querer
que ao levar-me a um agir de acordo com o certo que aprendi
me condena à dor da rejeição do que sinto

dividido entre o sentir que a razão não entende
e a razão que o que sinto não legitima
perco-me numa tentativa de compromisso e equilíbrio impossíveis
que me levam ao incoerente que pareço e no qual não me revejo

perdido nesta terra de ninguém
torno-me presa fácil do medo
do desejo e da vontade de quem me rodeia
em que me é reservado o estatuto de objecto
sem vida própria para além do que os outros concebem, desejam ou fantasiam

torno-me parte da razão e confundo-me com ela
alimento-a e alimento-me dela
e começo a acreditar que não posso existir sem ela

mas o amor insiste em fazer-se sentir em mim
a felicidade insiste em espreitar em cada fuga à razão
a liberdade que não sinto faz-me questionar a razão
e a existência a que por ela me obrigo

percebo que a razão não me dá as respostas que parecia ter
percebo que a razão vai esgotando as razões
para que viva o que acreditava ser a vida
e que mais não é que um conjunto de nadas na forma de palavras

páro e percebo que afinal a razão não existe
como não existem as palavras com que designo a existência

o que existe não se diz nem se argumenta... vive-se

e decido permitir-me viver o que não se diz

insisto...
acabo por compreender a distância entre o amor, a felicidade e a liberdade
e as palavras com que os designo

percebo o vazio do que a partir de tais palavras construo
porque lhes dou um valor que não têm
confundindo o designante com o designado

perante a tua angústia
o teu medo e a tua ansiedade
percebo que a melhor forma de te dar a mão
não é apresentar-te razões que te conduzam na direcção do que sentes
por entre o novelo de razões com que constróis o teu presente
mas contar-te um segredo...

a razão não se combate com a razão
porque seja qual for o resultado de tal confronto
continuarás sem sair da razão...
apenas lhe darás mais força

a única forma de a fazer cair
libertando-te
permitindo que a tua vida volte a ser tua
e não de todos os que aceitas que a razão represente
é voltares à origem do que a razão se propõe explicar
é voltares ao sentir a que chamas amor, felicidade e liberdade

e uma vez que chegues a esse sentir... permanece nele

sejam quais forem as razões que entretanto se construam
quando essa construção voltar a acontecer
não a alimentes lutando contra ela...
regressa apenas ao sentir que procuras viver

quanto mais tempo conseguires permanecer nesse estado
menos força e forma a razão encontra em ti para te voltar a enlear
até que de um momento para o outro te descobres livre
feliz e amando... a vida
fora e apesar de todas as razões

não lutes com a razão nem procures pela razão o caminho até mim
limita-te a sentir em ti o amor, a felicidade e a liberdade...

quanto mais olhares para esse sentir sem palavras
mais fácil será encontrares-me
mais fácil será vivermos o sentir que sentimos inevitável em nós
e a que só nós podemos dar corpo

não há palavras que esgotem o sentir que designam
não há razões que substituam o sentir que procuram explicar

o amor, a felicidade e a liberdade
não precisam de razões para acontecer
nem de palavras para que se tornem reais

basta viver

já experimentaste em ti esse sentir sem razões e sem palavras...
em que o silêncio da presença na proximidade um do outro tudo diz e tudo permite
e quando isso aconteceu deste-te conta do extraordinário e da força sentida
em que a vida como a aprendemos desapareceu...

retoma esse estado único e não saias dele

deixa que a razão siga o seu caminho
não a alimentes nem a combatas
deixa que se extinga no nada que é

e quando isso acontecer... encontrar-me-ás ao teu lado
de onde não saí... desde o tempo de meninos

experimenta... e deixa que a vida te conduza
pela urgência do sentir que em ti se define como caminho
não pela razão ou contra a razão
mas apesar da razão


a chave deste segredo é a palavra NADA
que deves colocar no lugar das palavras... PALAVRA e RAZÃO

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