quando olho para as dores que me consumiram os dias
percebo que nenhuma delas era física
apesar de tidas por reais...
fossem os amores perdidos
fosse o amor-próprio ferido
fossem as expectativas frustradas
fosse o desmoronar das mais profundas convicções
fossem os juizos que dos outros sobre mim sentia como agressões
fosse a antecipação da possibilidade de concretização dos meus piores receios
fosse o que fosse que me provocou dor...
de nada ficou vestígio
senão o que a minha memória insistiu em preservar
algumas dessas dores mantive-as vivas
para além do tempo em que o que lhes deu origem se verificou
acompanhando-me durante um tempo excessivo
em lugares e situações em que nada do que acontecia era o que antes acontecera
foram dores confundidas com dores físicas
que quando reconhecidas como não o sendo
eram encaradas como sendo não menos dolorosas...
de nada sofrendo... padecia dos maiores tormentos
que me consumiam não me consumindo
as dores físicas pareciam-me mais suportáveis
medo... angústia... ansiedade
eram os sintomas visíveis de uma dor... sem substância
percebi...
que as dores físicas... tratam-se com as terapias adequadas
e quando não as posso tratar... aprendo a conviver o melhor possível com elas
as outras dores... não são dores senão porque assim as entendo
ou como tal as vivo
as dores físicas não as posso evitar...
as outras dores... deixei de as viver
deixaram de ter em mim terreno em que criar raizes
o tempo em que a dor está ausente
é manifestamente maior do que aquele em que se faz sentir
a vida passou a ser a oportunidade de ser a felicidade que sou