quinta-feira, 30 de abril de 2009

Nada tenho a fazer...

são muitos os desejos...
toda a gente parece querer ou esperar alguma coisa de alguém
e eu já fiz parte dessa toda gente

já desejei o mundo
quis nos que me rodeavam o alimento da minha felicidade
esperei encontrar nos outros o amor que não sabia e não encontrava em mim
procurei que os outros sancionassem na sua acção as razões que tinha por certas
fiz dos outros prisioneiros da minha vontade e dos meus desvarios
amarrei-os à loucura do que pensava permitir o que julgava ser a minha liberdade...

fiz da vida dos outros um inferno que julgava ser e em que pensava encontrar o paraíso...

tudo me parecia legítimo
porque existia algures em mim uma qualquer motivação que achava boa e generosa
que me dava o direito a querer o que quisesse...

provoquei dor...

tudo me parecia legítimo
porque fazia o que toda a gente fazia
porque era isto que toda a gente fazia comigo

mas a dor nunca me pareceu um legítimo resultado expectável para qualquer acção
fosse minha ou de quem quer que fosse

tentei sair dessa dinâmica do desejo furtando-me aos desejos dos outros
não me coibindo no entanto de procurar satisfazer os meus desejos e vontades...
e ao contrário do que imaginara
a consciência da minha dor era cada vez maior
não pelo que os outros de mim pudessem ou não desejar
mas pelos desejos meus que nos outros não conseguia fazer cumprir

deixei de fazer da existência e de quem me rodeava objecto de qualquer querer
limitando-me a aceitar o que em cada momento a vida me oferecia
e vi a dor desaparecer

libertando a existência das algemas dos meus desejos
acabei por me libertar a mim mesmo da frustração dos desejos não cumpridos
porque quem estava preso era eu...
preso de mim mesmo

aquilo a que antes não dava atenção porque não fazia parte do que desejava
sendo parte da minha vida
acaba agora por produzir em mim uma sensação de bem-estar indescritível
com o sabor próprio do que é novo
ainda que velho como o tempo...

percebo que encontrei outra forma de me relacionar com a vida

a gente toda de que antes fiz parte
mantém-se igual a si mesma e no mesmo registo de dor

ainda me percebo objecto de desejo ou de um qualquer tipo de querer ou sonho
mas já não me sinto incomodado...
a dor do desejo que dos outros não cumpro e do qual não me sinto prisioneiro
não é minha... é apenas desses outros

da dor dos desejos
sonhos e vontades por cumprir pelos outros na vida de cada um
só cada um se pode libertar...

eu...
nessas vidas...
nada tenho a fazer