desço devagar a última madrugada do sonho
envolto num manto de vento que teima em gelar-me a alma…
entro no rio que me leva para uma margem qualquer
e atravesso o barco vazio cheio de tristezas esquecidas…
cruzo os gritos abandonados nas ruas escuras de ontem
a que junto o meu…
enquanto as montras do desejo que se consome cego mostram despojos de uma guerra que vence quem aceita perder…
paro no lugar dos bêbados que já não se lembram para onde vão e aguardam o destino que tarda…
sou só mais um
espalho pelos bolsos as dores com que firo o meu sentir
procuro uma última lágrima que me rasgue o peito aflito…
e encontro mais uma gargalhada com o sabor amargo da vida que deixo para trás
hesito…
e solto-a da forma mais generosa que consigo
despeço-me do último comboio e embarco no silêncio que me ampara os passos incertos
já não tenho mais palavras…
já não tenho mais gestos…
apenas me sobra a eternidade
sigo tranquilo na noite que se esqueceu de ser dia